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Pandemia, recessão e o mercado gastronômico: crise ou oportunidade?

Com atividades presenciais suspensas desde 17/03, Asplande oferece formação online às empreendedoras do Sabores do Rio

 

por Tatiana Toledo

É fato que o cenário de incertezas acarretado pela pandemia do novo coronavírus, para além das questões de saúde pública, tem afetado a saúde financeira de muitas famílias. Diante de um quadro tão desafiador, nem mesmo o ramo de alimentação, considerado essencial, tem passado ileso, impactando a atuação de dezenas de mulheres que integram o projeto Sabores do Rio, iniciativa da Asplande que tem a finalidade de qualificar e promover a atuação de empreendedoras do ramo gastronômico da Zona Oeste e Norte do Rio de Janeiro e Baixada Fluminense. 

Com atividades presenciais suspensas desde o dia 17 de março, a iniciativa encontrada para que o suporte oferecido a essas mulheres tivesse continuidade foi a oferta de ações de formação online. O que inicialmente parecia ser um grande desafio, tornou-se uma oportunidade para que muitas empreendedoras pudessem ampliar seus conhecimentos e se apropriar das facilidades e vantagens que a tecnologia tem a oferecer. “Algumas acreditavam que aquilo não era para elas e resistiram no início. É incrível como evoluímos. Hoje temos mulheres engajadas em todas as atividades que temos realizado. Tivemos cursos e rodas de conversas em todos esses meses, com uma receptividade muito grande” conta a secretária executiva da Asplande, Dayse Valença, que já prevê transformações no andamento do projeto pós-pandemia, mesclando encontros presenciais e atividades online. 

Apesar das barreiras tecnológicas enfrentadas por algumas participantes, como o desconhecimento sobre o uso de determinadas ferramentas, a indisponibilidade de internet de qualidade e mesmo de computador, os especialistas responsáveis pela oferta dos cursos, mentorias e workshops são unânimes ao reconhecer o esforço e a capacidade de adaptação dessas mulheres. Dentre as vantagens por eles apontadas, estão a redução dos custos com deslocamento e a possibilidade de se gravar os encontros para que seja possível assistir posteriormente. “A pandemia acelerou a aceitação de experiência 100% on-line e vejo que isso deixará um legado: a consolidação desta nova (nem tão nova assim) oportunidade de buscar aprendizado”, afirma o consultor de inovação Luiz Coelho, responsável pelo workshop de Design Thinking.

Conheça, a seguir, algumas atividades de formação oferecidas pela Asplande durante a pandemia.

Plano de Negócios – Em seu workshop, a consultora de gestão financeira e mentora de negócios Cecília Gomes mescla as ferramentas Plano de Negócios e Canvas para auxiliar as participantes a visualizarem melhor questões estratégicas relacionadas a seus empreendimentos, como clientes, concorrentes e diferenciais competitivos. “Funciona como um quebra-cabeças; assim a pessoa percebe que tudo tem que se encaixar”, explica. Após um encontro inicial, as alunas são divididas em grupos para que possam tirar dúvidas e melhorar suas propostas de negócio. Segundo a consultora, conhecer o cliente e saber o que ele quer é fundamental, especialmente diante de um cenário de recessão. “As pessoas assumem que acham o que o cliente quer e saem fazendo. Neste período de crise, em que as pessoas pensam mais sobre que vão consumir, é mais complicado. Comida dá dinheiro, mas o maior aprendizado de tudo é entender o que o cliente quer, quem ele é e como você resolve o problema dele”, afirma.

Gestão Financeira – Para o empresário, consultor financeiro e educador Bruno Matos, responsável pelo curso de Gestão Financeira, a falta de conhecimento básico sobre o assunto é o maior desafio a ser superado pelas participantes, já que muitas vezes nenhuma técnica ou ferramenta relacionada ao tema é utilizada: “A pandemia ‘apertou’ o financeiro de muitos e aumentou a necessidade de controle e análise dos números pelo empreendedor, para que ele tenha sucesso e não perca seu negócio”. Matos explica que as alunas estão aprendendo que precisam dominar tanto as atividades inerentes a produção e venda quanto às relacionadas ao ato de empreender, a fim de profissionalizarem seus negócios. Em sua opinião, elas estão empenhadas em utilizar as novas técnicas. “Existe um esforço grande por parte delas. Disponibilizamos uma ferramenta online para utilizarem na gestão financeira de seus negócios e conseguimos observar que a maioria já está trabalhando nela”, avalia.

Design Thinking – estimular o pensamento criativo e inovador por meio de processos, técnicas e ferramentas para que seja possível repensar produtos, serviços e modelos de negócio, identificando pontos de melhoria e oportunidades para aprimorar a experiência dos clientes. Estes são alguns objetivos do workshop de Design Thinking ministrado pelo consultor de inovação Luiz Coelho. Para ele, o trabalho realizado remotamente tem suas vantagens e adversidades. “Muitas técnicas e ferramentas exigem que os empreendedores entrem em contato com clientes reais para fazer pesquisas, entrevistas e observações. No meio virtual há o paliativo dos formulários online e redes sociais para ‘empatizar’ com o cliente. Contudo, empatia a distância torna-se um desafio ainda maior”, explica. Mesmo diante desse cenário, algumas transformações já são observadas nos negócios administrados pelas participantes do projeto: “Os principais relatos que recebo giram em torno de testes de novos produtos, abertura de canais de comunicação adequados ao que os clientes já utilizam, pesquisas para entender o comportamento desses clientes e a experimentação de novas ideias para agregar valor aos seus produtos”.

Mentorias individuais – Reconhecer as necessidades mais urgentes faz parte do trabalho do sociólogo Paulo Sérgio de Almeida durante as mentorias individuais realizadas com as empreendedoras, com ênfase em gestão administrativa e financeira. “Após escutá-las, identifico essas necessidades, que normalmente passam por controle financeiro, e começo a traçar, junto com elas, as metas a serem cumpridas, com visão de negócio e separando o empreendimento da vida pessoal”, explica. Em sua opinião, as empreendedoras, em sua maioria, são aguerridas, quebrando possíveis barreiras para se adaptar à nova realidade: “Com a pandemia, as vendas caíram, e muito. Por meio das mentorias e das oficinas que a rede está oferecendo, elas estão percebendo a importância de alcançarem novas formas de sobrevivência. Com isso, estão procurando se aprimorar para melhor divulgar seus empreendimentos e realizar vendas pela internet, por exemplo”.

Mentorias coletivas – Ao mentor e consultor de negócios Durval Pereira cabe a tarefa de auxiliar as empreendedoras a desenvolverem seus negócios com estratégias e planejamento não apenas para o momento atual, mas também, para o cenário pós-pandemia. “Um dos meus princípios foi levar para elas a visão das grandes empresas, para que entendessem que isso não era algo momentâneo e que não retornaríamos a padrões antigos. O mundo que existiu antes da Covid tende a não mais existir em todos os aspectos, principalmente nos negócios”, destaca. Para Pereira, a necessidade de uso das tecnologias digitais acarretada pela pandemia foi positiva, já que muitas dependiam exclusivamente de atividades presenciais e hoje já promovem vendas virtuais para outras cidades e também para fora do estado. “Quando as atividades retomarem algum tipo de normalização, elas já estarão inseridas nesse contexto e poderão atuar nos dois cenários. Tivemos uma ampliação no leque de atividades e maturidade no mindset delas. O que antes era apenas parcial ou opcional, passou a ser, inicialmente, uma questão de sobrevivência e depois tornou-se instrumento de muito valor e vantagem competitiva”, conclui.

Novas vivências, novos aprendizados

Empreendedoras da região metropolitana no Rio de Janeiro, moradoras de Duque de Caxias, contam de que forma seus negócios foram afetados pela pandemia e como tem sido a experiência de qualificação online oferecida pela Asplande.

“Pensar fora da caixinha” – Com pais idosos e uma filha pertencente ao grupo de risco, fechar as portas de sua lanchonete e preservar a família quanto à possibilidade de contágio foi a solução encontrada por Thaína Ventapane, proprietária do Cantinho da Thata, que comercializa pães, salgados, bolos e doces no bairro Pantanal. A empreendedora passou a trabalhar somente com delivery e viu suas vendas caírem pela metade.

 

Ela conta que participar da programação online oferecida pelo projeto foi estranho, no início, mas já está adaptada. O fato de as atividades da Asplande terem prosseguido mesmo com a pandemia foi fundamental, em sua opinião. “Para nós empreendedoras, esse apoio, mesmo que de longe, é muito importante. Tem contribuído para me fazer pensar fora da caixinha. A pandemia é uma fase que ninguém nunca viveu, então ficamos um pouco perdidas no início e tivemos que traçar um novo caminho para que pudéssemos trabalhar”, relata. A empreendedora passou a intensificar a divulgação de seu trabalho nas redes sociais e a utilizar novas ferramentas e plataformas para ampliar a visibilidade de seu negócio: “Tenho conseguido vender um pouco mais, não como antes, já que a pandemia continua, mas tenho esperança de que vai melhorar”.

“A pandemia abriu novos horizontes para muitas de nós” – Para Alexsandra da Silva, mesmo o fato de já trabalhar com o sistema de delivery não impediu que a crise econômica afetasse suas vendas, passando de 15 a apenas três entregas por semana, no início da quarentena. “Em um primeiro momento me vi sem norte”, conta a empreendedora, que trabalha com produtos na linha funcional e fitness. Marmitas congeladas, pães, bolos, sopas e sucos detox compõem o cardápio da Top Fit Saudáveis, localizada no bairro parque Suécia.

Alexsandra ingressou no Sabores do Rio em março deste ano e já contabiliza resultados satisfatórios com todo o aprendizado até então: “Tem sido um divisor de águas para mim e para o meu empreendimento. Sou grata por tudo que tenho aprendido com eles, são todos maravilhosos: direção, professores, alunas e participantes das rodas de conversas. De certa forma, a pandemia abriu novos horizontes para muitas de nós. Eu já vendia pela internet, mas por meio de parcerias, estou conseguindo melhorar ainda mais as vendas com as técnicas que aprendi nos cursos. É uma honra fazer parte dessa família, que abraçou a mim e ao meu negócio e acreditou no meu potencial, quando eu mesma não acreditava mais”.

“Aproveitando o tempo de quarentena para nos aprimorar” – Geleias, antepastos, compotas, chutney e conservas de frutas e legumes são alguns dos produtos artesanais oferecidos pela Delícias no Pote, de Maria Serrate. No cardápio, receitas de família, que aprendeu com sua mãe e avós. Com o crescimento do negócio, ela se uniu a outras empreendedoras apoiadas pela Asplande e, juntas, alugaram um espaço para transformá-lo em uma cozinha compartilhada, que as permitisse ampliar a produção. Assim, surgiu o Pan’ellas, em novembro de 2019. 

Apostamos todas as nossas fichas porque o sonho estava se realizando. Em pouco tempo equipamos o local com o que cada uma tinha em casa e iniciamos nossa produção. Entretanto, esta pandemia nos obrigou a parar repentinamente, e isso fez com que nossas vendas caíssem. Hoje, estamos atendendo poucos clientes, mais especificamente, nossa vizinhança”, conta. Neste período, ela e suas parceiras têm promovido encontros virtuais para conversar sobre possíveis soluções para aumento das vendas e se capacitar. “Estamos aproveitando o tempo de quarentena para nos aprimorar em cursos online oferecidos gratuitamente e participarmos de todos os encontros e mentorias da Asplande. Não temos desculpa de falta de tempo”, ressalta.

 “Tempo extra para se questionar mais” – A AC Bem-Casados, de Amanda Cristina de Lima, também foi afetada pela recessão. “Com a pandemia, as pessoas não estão favoráveis economicamente para realizar festas, como de costume. O fluxo de pedidos grandes diminuiu, visto que boa parte da baixada fluminense estava, até antes da reabertura dos comércios, vivendo do auxílio emergencial e com foco em coisas essenciais. Projetos em parceria com buffets foram pausados e não têm previsão de retomar o ritmo de encomendas, regularizando, consequentemente, o ticket médio de faturamento”, afirma.

A empreendedora, que conta com biscoitos, cupcakes, mini-rocamboles, tortas e bolos em seu cardápio, relata ainda que alguns clientes ficaram receosos em adquirir produtos artesanais, por acreditarem que, assim, estariam se expondo ao vírus. Com a baixa no volume de encomendas, ela usa o tempo livre para se capacitar. “Tem sido um incentivo para não ficar acomodada. Utilizo o tempo extra para me questionar mais, enxergar diferentes problemas dentro do meu empreendimento e buscar meios de melhorar cada etapa: desde como fazer, como divulgar o produto e ir atrás do cliente ideal, como se relacionar com o cliente, até a melhor forma de entregar o produto”, destaca Amanda, que passou a se dedicar mais às redes sociais para divulgar seu negócio e à pesquisa de novos consumidores em potencial, o que tem acarretado a reformulação do cardápio e da identidade da empresa como um todo.

Cardápio de delivery

Em maio deste ano, a Asplande elaborou um catálogo para divulgar os produtos e serviços das empreendedoras do Sabores do Rio que estão fazendo entregas neste período de pandemia. Confira!

Endereço:

Rua Álvaro Alvim, 48
sala 806 - Centro, Rio de Janeiro - RJ

Contato:

(21) 2210-1922
asplande@asplande.org.br

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