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Um olhar por cima das correntes: luta, resistência e conquistas

Por Lizandra Menezes, Jornalista

No mês da consciência negra, o portal da rede de mulheres “construindo saberes”, da ONG Asplande, reúne histórias de mulheres pretas como inspiração

Na última quarta-feira (25), aconteceu um bate-papo com o tema “um olhar por cima das correntes”, no qual um grupo de mulheres pretas contam suas experiências no mercado de trabalho, desde o início até os dias atuais. A transmissão foi feita através do canal “compartilhando saberes”, e mediada por Ana Lúcia Barbosa – diretora executiva do Visão do Bem – e por Regina Fontes – diretora executiva da CreativeEcoart.

A live também contou com as participações de Luciane Reis, diretora executiva da Merc’Afro; Jéssica Raul, professora doutoranda em Pedagogia na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ); Ingrid Reis, diretora executiva da Espiral Soluçõese a comunicóloga Katiúcha Watuze, co-fundadora do Pretaria.Org | Coletivo Pretaria e fundadora do Trabalho de Preto.

Durante uma hora e meia, a transmissão foi dividida em duas partes. A primeira foi aberta para cada uma das convidadas trazer um olhar mais detalhado sobre a trajetória delas. Além disso, todas apontaram diversas questões – dentre elas, o racismo estrutural – que dificultam o acesso de toda a população preta, principalmente as mulheres, ao ingresso em universidades e no ramo trabalhista. Já a segunda parte foi aberta para perguntas vindas das pessoas que estavam assistindo a live.

A palavra inicial foi de Luciane Reis. No começo, a publicitária contou que veio de uma comunidade chamada Saramandaia – localizada em Salvador, Bahia – e explicou que sair do lugar que cresceu, foi um divisor de águas para ela, pois ela passou grande parte da sua infância lendo e adquirindo conhecimentos. Por conta disso, ela ligou asmemórias afetivas que tinha com os livros ao fato de morar em uma região onde isso não era muito comum. “Ainda que a gente venha de comunidades vulnerabilizadas (…), isso não quer dizer que ela não tenha grandes potenciais de lucratividade e de riqueza”.

Em seguida, ela explicou que após se formar no ensino médio, foi em busca de um emprego, e percebeu que também estava enfrentando o racismo. Me deparei com o racismo cru e duro”, diz Luciane. “Eu ia passando por todo processo seletivo, até o dia em que eu encontrar com a gerente que ia fazer minha contratação. E aí era visível a decepção dela quando aquela garota inteligente, que aparece na frente dela, é uma menina negra, com cara de pobre e roupas humildes”.

Foi a partir dessa situação, somada a perda do pai, que Luciane precisava recomeçar a vida acadêmica dela. Aos 18 anos, fez o pré-vestibular e passou para Universidade Católica da Bahia (UCSAL). Durante o curso, tornou-se estagiária do município no segundo semestre e formou-se após 4 anos. Além disso, ela sabia que precisava estudar e que não teria dinheiro de passagem para fazer o trajeto de ida e volta para casa. Por isso, teve que se mudar e afirma: “E assim começa o percurso de alteração das minhas realidades”.

E após uma grande caminhada – trabalhando no grupo de saúde da Prefeitura Municipal de Salvador, analisando os casos de racismo no carnaval de Salvador pela Secretaria Municipal de Reparação e até mesmo na Secretaria Geral da presidência da República –, a publicitária contou que tirou grandes lições disso tudo, “São esses altos e baixos que foram construindo a Luciane que sou hoje”. E acrescenta: “Ter me permitido a me submeter a determinados trabalhos (…), me faz colocar toda essa energia na minha dissertação de mestrado”.

Katiúcha Watuze foi quem deu continuidade ao bate-papo. Diferente da primeira convidada, ela começou a falar sobre a importância da força coletiva das mulheres pretas, além de explicar como que essa união está sendo pautada no Brasil e no mundo.“Elas têm organizado grupos, organizado coletivos, organizado frentes de trabalho, frentes de luta, nas mais diversas áreas. E a partir disso, é movido estruturas de fato”.

Por conta disso, Katiúcha mencionou alguns exemplos atuais de grupos ou movimentos que são encabeçados por mulheres pretas ou que elas estejam diretamente envolvidas. As eleições, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, onde nota-se um número muito maior de candidatas em cargos políticos – e sendo eleitas, como a vice-presidente de Joe Biden, Kamala Harris – e o “Black Live Matters” – Vidas Negras Importam, traduzido para o português – que vem repercutindo em ambos os países após a morte de vários cidadãos, principalmente, jovens pretos.

Dessa forma, a diretora executiva pegou um gancho para falar sobre o coletivo “trabalho de preto” no qual ela trabalha. Katiúcha contou que esse projeto, voltado a comunidade negra há uma troca de conhecimentos, contatos, saberes e fazeres que se fortaleceu muito no meio online durante a pandemia. Mas justamente por esse motivo, também estão enfrentando algumas dificuldades.

Além disso, ela também apontou um problema muito comum no país, que é a falta de acesso à internet para a população. “Ainda não é uma política pública séria no Brasil”, diz Katiúcha. E reforça essa ideia explicando que a população negra empreende muito mais e são bastante limitados em certas áreas. Assim, ela retornou ao ponto inicial dela que é a força coletiva. É uma outra potência, em qualquer situação, em qualquer demanda”. Por fim, Katiúcha encerrou a fala dizendo que é importante as pessoas pretas se organizarem em grupos, tanto no empreendedorismo, quanto em outras áreas.

Depois foi a vez de Ingrid Reis conduzir a conversa. No começo, ela explicou que ia fazer um áudio descrevendo a aparência dela para a inclusão de pessoas com deficiência visual na live, caso estivessem presentes. Em seguida, ela contou sobre sua trajetória: iniciando como consultora, depois projetos sociais, e também atuou em organismo internacionais. Até que em 2015, depois de atuar em diversas áreas, ela resolveu montar o próprio negócio: o Espiral Soluções Socioculturais.

Além do negócio atuar nas áreas de responsabilidade social, economia criativa e sustentabilidade – sendo Ingrid multiplicadora B no setor de sustentabilidade, com bastante ativismo nessa área –, existem outros projetos nos quais ela trabalha, com o objetivo de deixar legados para a sociedade. Por exemplo, a diversidade – em cima do recorte de negritude, povos originários indígenas, LGBTQIA+ e feminino.

Ingrid explicou a importância desses projetos como uma forma de oportunidade, visto que a sociedade ainda tem muitos problemas para aceitar a diversidade, citando até a questão do racismo estrutural. E reforçou isso com a seguinte fala: “Nós viemos do africano, viemos do indígena e dos brancos também. Mas essa mistura traz para o Brasil uma multiculturalidade”. Dessa forma, ela também explicou que a multiculturalidade deve ser ensinada a todos desde o começo, reforçando sempre de onde viemos e afirmando nossa identidade. Assim, o futuro será mais “transformado”.

Por fim, ela se aprofundou mais sobre o racismo no país, sobre como as pessoas pretas ainda são vistas de forma preconceituosa e a forma violenta que são tratadas. Por isso, Ingrid comentou novamente sobre a educação, esses projetos nos quais ela participa, além dos movimentos e grupos serem ferramentas essenciais para o combater todas essas injustiças, e deixarem um legado importante para as próximas gerações.

A última convidada desse debate foi Jessica Raul. Inicialmente, ela começou falando que vinha de uma comunidade chamada Acarí, localizada no Rio de Janeiro. Depois, ela explicou a importância das outras participantes na live para que todas pudessem pensar e falar sobre os caminhos que as pessoas podem trilhar enquanto seres humanos diversos, e destacou os olhares que todas detalharam anteriormente.

Jessica continuou contando um pouco mais sobre a trajetória dela: entrou na escola um pouco mais tarde e que não era alfabetizada até aquele momento. Mas completou o ensino, prestou vestibular da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e passou em História pelo sistema de cotas. Ela disse o quanto se politizou na faculdade, tendo uma visão muito ampla das ações políticas e seguiu por essa área.

Ademias, Jessica mencionou o professor José Roberto Rodrigues, da UERJ, que a fizeram pensar sobre as questões da militância e participação da mulher preta na política. E ao pesquisar o assunto, viu que as histórias eram parecidas com a dela, pois todas são silenciadas dentro desse ramo. Por essa razão, foi procurar outros caminhos até montar um coletivo, em Acarí, chamado “Perifavela Quilombo Organizado”, que junta vários militantes pretos para discutir violência policial – visto que era uma vivência para quem mora na área. Apesar do grupo ter enfraquecido, voltou com outro nome, o “Fala Acarí”.

Nesse momento da live, Jessica fica bastante emocionada ao falar sobre o irmão – vítima de assassinato policial – e diz que existem momentos em que é preciso saber para onde está indo. Por muito tempo, ela não conseguia debater diariamente sobre esse assunto pois era algo pessoal para ela, mas com a ajuda de outras trajetórias, percebeu que a caminhada das pessoas pretas é bastante dolorosa devido ao racismo que enfrentam todos os dias.

E assim, junto de outras mulheres negras, o “Quilombo Escola”, que seriam aulas de reforço em ensino popular. Inicialmente, o projeto tinha outra forma, mas de acordo com Jessica, existiam muitos obstáculos para isso. Além disso, ela falou que o objetivo é dar uma perspectiva racial: educação afro-brasileira, afro-indígena, indígena, dentre outros assuntos, através das experiências em conjunto.

Após o término da fala de Jessica, a mediadora Ana Lúcia abriu espaço para perguntas. Ao todo, foram respondidas três, e todas elas com o intuito de explicar o racismo no Brasil, a questão do posicionamento diante de certas situações e o papel da família, educação e religião diante da população pretamostrando os termos que são preconceituosos que não devem ser falados e a intolerância religiosa existente.

E para encerrar o debate, além das mediadoras recitarem algumas frases e letras de música, cada uma das participantes também deixaram falas inspiradores para quem estava acompanhando a live desde o começo. Ingrid Reis disse para acreditarem nos sonhos e correr atrás deles; já Katiúcha Watuze comenta que o futuro é preto; e por mim, Jessica Raul diz para que todas se cuidem, além de aceitar opiniões diferentes, se ouvir e fazer uma releitura de nós mesmo.

Redes Sociais das participantes:

Katiúcha Watze: @pretacomunicologa, @trabalhodepreto e @coletivopretaria (todas páginas no Instagram)

Ingrid Reis: @espiralsolucoes (todas as redes sociais)

Jessica Raul: jraul.prof@gmail.com, “Quilombo Escola” (página encontrada no Google)

Endereço:

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